Tarifa de Trump atinge café, carne e calçados: vai pesar no bolso?

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O anúncio feito pelo presidente Donald Trump, dos Estados Unidos, nesta quarta-feira (9), de que produtos brasileiros passarão a ter tarifa de 50% a partir de agosto pegou de surpresa os diversos setores da economia, que defendem uma negociação por vias diplomáticas e o distanciamento do Brasil de questões geopolíticas.

Na carta em que anunciou a taxação, Trump citou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que é réu no STF (Supremo Tribunal Federal) em ação que apura sua participação na trama golpista de 2022.

José Augusto de Castro, presidente-executivo da AEB (Associação de Comércio Exterior do Brasil), diz que a tarifa anunciada não é uma medida econômica. “É certamente uma das maiores taxações a que um país já foi submetido na história do comércio internacional, só aplicada aos piores inimigos, o que nunca foi o caso do Brasil”, diz.

A leitura de que se trata de uma medida política é também expressada pela CNI (Confederação Nacional da Indústria), que vê impactos graves ao setor. Em nota, a instituição defende a intensificação das negociações com Trump para “preservar a relação comercial histórica” e também a necessidade de uma “comunicação construtiva”.

Para José Ricardo Roriz, presidente do conselho de administração da Abiplast (Associação Brasileira da Indústria do Plástico), o Brasil “perdeu grande oportunidade de ficar fora do cenário de guerras e disputas comerciais”.

No setor que ele representa, o efeito do tarifaço deve ser pulverizado por diversos segmentos da indústria e do agronegócio. “Qualquer produto manufaturado é embalado por plástico ou feito de plástico.” Roriz considera que, nesse nível de tarifa, as exportações ficam praticamente inviabilizadas, especialmente as de produtos mais caros, de maior valor agregado.

Marcos Matos, diretor-executivo do Cecafé (Conselho dos Exportadores de Café do Brasil), diz que a entidade acompanha com atenção o anúncio e que vem, junto à National Coffee Association e às empresas que a integram, trabalhando em uma agenda positiva para tratar da taxação.

Os Estados Unidos representam, para a indústria do café, o maior mercado consumidor do mundo. O Brasil tem cerca de 30% desse mercado.

Segundo Matos, um dos argumentos dessa agenda positiva vem do quanto o café movimenta na economia americana -o conselho calcula que US$ 1 (R$ 5,462 nesta quarta) de café importado gere US$ 43 (cerca de R$ 234) localmente; em empregos, o setor reponde de 2,2 milhões de postos de trabalho.

“Temos a esperança de que o bom senso prevaleça e a previsibilidade de mercado, porque nós sabemos que quem vai ser onerado é o consumidor norte-americano. E tudo que gera impacto sobre o consumo é ruim para o fluxo do comércio, é ruim para a indústria.”

A Abiec (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes) afirmou em nota que “qualquer aumento de tarifa sobre produtos brasileiros representa um entrave ao comércio internacional e impacta negativamente o setor produtivo da carne bovina”.

Os Estados Unidos são hoje o segundo maior comprador de carne bovina do país, com uma participação de 12,33% no volume total exportado no primeiro semestre, com 181,3 mil toneladas. O volume mais do que dobrou em relação ao mesmo período de 2024, com a proteína brasileira despontando como alternativa para complementar a escassez da produção local.

A associação defendeu que “questões geopolíticas não se transformem em barreiras ao abastecimento global e à garantia da segurança alimentar, especialmente em um cenário que exige cooperação e estabilidade entre os países”.

Afirmou ainda que “segue atenta e à disposição para contribuir com o diálogo, de modo que medidas dessa natureza não gerem impactos para os setores produtivos brasileiros nem para os consumidores americanos.”

Na indústria têxtil, os efeitos da decisão do presidente Trump serão diretos e indiretos, mas o risco é o de inviabilizar o comércio com o país. “Uma tarifa de 50% nos coloca fora do mercado”, afirmou à Folha o presidente da Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil), Fernando Pimentel.

Os Estados Unidos representam apenas 7% das exportações brasileiras de têxteis, contudo, elas estão concentradas em produtos de maior valor agregado, de marcas famosas ou nichos, como a moda praia.

O setor se tornou uma grande aposta após as tarifas impostas à China, que melhoraram a competitividade da produção nacional. “Recebemos recorde de empresas interessadas em participar de uma feira lá em setembro. As pessoas estavam animadas”, conta Pimentel.

Os impactos diretos, portanto, se darão sobre o preço das exportações de empresas já estabelecidas no país e pelo fechamento de oportunidades para novos exportadores. “A gente vinha tentando ganhar espaço e agora perderemos.”

Indiretamente, Pimentel diz que as tarifas devem impactar também as vendas no Brasil, ao afetar outros setores da economia e, em consequência, a atividade econômica do país. “O Brasil tem uma balança com os Estados Unidos de bens de maior valor agregado.”

Na indústria calçadista, a percepção também é a de interrupção de um processo de recuperação de mercado. Haroldo Ferreira, presidente-executivo da Abicalçados (Associação Brasileira das Indústrias de Calçados), diz que o anúncio é um “balde de água fria”.

Os Estados Unidos são o principal destino do calçado brasileiro no exterior. Em junho, 1 milhão de pares entraram no país, pelos quais as indústrias receberam US$ 20,76 milhões (cerca de R$ 113,3 milhões), uma alta em volume (39,4%) e em receita (25,4%) na comparação com o mesmo período do ano passado.

Deficitário nas relações com os Estados Unidos e alvo de ataque de produtos americanos, o setor químico pode se beneficiar de eventual resposta brasileira à tarifa de 50%.

O setor teve déficit comercial de US$ 8 bilhões em 2024, com exportações de US$ 4 bilhões e importações de US$ 12 bilhões. A enxurrada de produtos americanos, principalmente resinas termoplásticas, levou a utilização da capacidade do setor ao pior nível desde os anos 1990.

“Se o governo adotar reciprocidade, é bem possível que mercado americano acabe se saindo mais prejudicado do que o brasileiro”, disse o presidente da Abiquim (Associação Brasileira da Indústria Química), André Cordeiro. “A gente espera que se abra um processo de negociação para que as coisas voltem ao normal, mas como as razões são políticas, esse processo pode ser mais difícil”, completou.

O setor de aço já tinha tarifas de 50% desde o tarifaço de Trump em abril e entende que a nova alíquota anunciada nesta quarta não será cumulativa, disse o presidente do Instituto Aço-Brasil, Marco Polo de Mello Lopes.

Mas teme que o “estresse político” interrompa negociações sobre o estabelecimento de cotas para vendas de aço brasileiro no mercado americano sem as tarifas. “Todo o trabalho que vinha sendo muito bem feito pela diplomacia brasileira para renovar o acordo de cota de 2018, essa busca da renovação provavelmente vai sofrer algum prejuízo por conta dessa situação”, afirmou.

Produtos siderúrgicos representam quase 10% das exportações do Brasil para os Estados Unidos, segundo dados do Mdic (Ministério do Desenvolvimento, Industria e Comércio). Para o setor, o mercado americano representa cerca de 40% das exportações.

A FPA (Frente Parlamentar do Agronegócio), uma das mais atuantes bancadas do Congresso, disse em nota que o anúncio de Trump representa “um alerta ao equilíbrio das relações comerciais e políticas entre os dois países.”

Para a frente, que com frequência se posiciona como oposição ao governo Lula (PT), a saída diplomática é “o caminho mais estratégico para a retomada das tratativas.” A entidade defendeu, no comunicado, uma resposta firme e estratégica. “É momento de cautela, diplomacia afiada e presença ativa do Brasil na mesa de negociações.”

Também do Congresso, a Frente Parlamentar pelo Livre Comércio disse que a tarifa é “consequência direta das violações à liberdade de expressão, ao Estado de Direito e à segurança jurídica promovidas por autoridades brasileiras.”

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