Pais são presos acusados de torturar os filhos por motivos banais

Aos 9 anos, uma menina pegou uma moeda de R$ 1,00 de cima da mesa de casa e comprou dois pirulitos. A atitude foi o que motivou a mãe, uma dona de casa de 34 anos, a queimar o rosto e as mãos da filha com garfo e colher quentes.
Essa história pode parecer inventada, mas aconteceu na vida real, em Cariacica. A criança queimada não está sozinha, pois há outras tantas agredidas e torturadas pelos próprios pais. E o que mais assusta são os motivos usados como estopim para esse tipo de brutalidade contra vítimas tão pequenas.
Comer salada antes do almoço, beber o suco que está na geladeira e não arrumar a casa direito são alguns exemplos.
“As agressões e torturas contra menores de idade acontecem pela falta de paciência e falência da educação dentro de casa. Há uma ausência de habilidade para lidar com a criança ou com o adolescente”, disse o delegado Lorenzo Pazolini.
Pazolini é o delegado titular da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) e afirma que situações como essas não são raras na unidade policial. Somente em 2016, 14 inquéritos de tortura contra crianças foram abertos.
Todos os crimes aconteceram dentro das residências e sendo os agressores pessoas que convivem diariamente com as vítimas. “Vemos que há uma ausência de diálogo, e as frustrações do dia a dia são transformadas em violência”, observa o delegado.
O delegado contou ainda que as ocorrências de tortura começam com atitudes aparentemente pequenas. “São chineladas e agressões verbais até chegar ao ponto da violência mais grave, quase sempre usada como pretexto para correção de uma atitude indevida”, comenta.

Auxiliar de cozinha de 46 anos foi presa após esquentar talheres no fogão e queimar parte do corpo dos filhos
 Armas

Além de mãos e chinelos, há outros meios usados como arma para lesar as crianças. Um fio de telefone foi a arma que uma professora utilizou para bater na filha de 9 anos após descobrir que a menina não havia limpado a casa como deveria, em Cariacica.
Já uma avó jogou óleo quente na neta de 8 anos, pois a menina não conseguiu comprar os cigarros que a avó havia pedido, em Vila Velha. Até mesmo colocar as mãos da filha de 6 anos nas chamas do fogão aceso foi algo praticado por uma mãe, em Guarapari, para punir a filha que havia comido salada antes do prato principal.
Já na Serra, um pai usou uma borracha de geladeira para marcar todo o corpo da filha de 10 anos por ela falar alto enquanto brincava com os irmãos.
Agressores alegam que estão ‘corrigindo’
Os pais ou responsáveis que passam de protetores para agressores apresentam quase sempre a mesma explicação quando chegam à delegacia ou ao Conselho Tutelar: estavam “corrigindo” as vítimas.
“A alegação é essa. Porém, muitos descontam nas crianças a separação com o companheiro ou a ausência de paciência ao final de um difícil”, relata o delegado Lorenzo Pazolini.
Os algozes são pessoas que possuem vínculo de responsabilidade com esses menores de idade (pais, avós, padrastos, madrastas). Eles têm idades entre 25 e 40 anos e não possuem passagem pela polícia.
“Dos casos que chegam, tanto agressor quanto vítima estão inseridas em uma família de baixa renda, onde há pelo menos um dependente químico (álcool ou drogas). São famílias desestruturadas”, disse o conselheiro Washington Luiz Alvarenga.
Às crianças que vivenciam esses traumas resta o atendimento psicológico. Algumas são colocadas em abrigos e retiradas do lar, mas a maioria volta ao convívio dos agressores.
Violência ‘descontada’ em sala de aula
Nem sempre as vítimas conseguem pedir ajuda. “Os registros são de casos em classes sociais de vulnerabilidade social, onde a polícia ainda é o mecanismo do Estado mais próximo. Porém, os casos que acontecem em classes altas quase nunca chegam ao conhecimento de quem pode tomar uma providência. Se uma criança com lesões entra em hospital público, a unidade vai avisar a polícia e o conselho tutelar. Já em uma unidade particular, não haverá a notificação”, exemplifica o delegado Lorenzo Pazolini.
O coordenador do Conselho Tutelar de Vitória, Washington Luiz Alvarenga, conta que, em média, são cerca de 15 denúncias por mês que chegam à unidade do conselho que atende ao Centro de Vitória e regiões próximas.
“Elas são verificadas uma a uma. Quem denuncia, na maioria das vezes, é um parente da vítima que também assiste à tortura mas não quer se indispor com o agressor”, contou o conselheiro.
Na mira das pancadas, estão as crianças mais novas. A idade média de quem sofre com a violência em casa é 5 a 8 anos de idade. Segundo Washington, a mesma criança que é torturada em casa é a que bate no colégio e acaba indo parar no conselho tutelar.
gazetaonline

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