Os empreendedores Mauro Júnior, Leonardo Diniz e Luciano Oliveira a frente de um projeto tão inovador quanto necessário para o Brasil

Certificafé,

o trabalho poderoso da startup que está transformando as histórias dos produtores de café no Brasil

por Kátia Bagnarelli para Jornal Onews

Apesar de ser a bebida mais consumida no mundo, o café certificado por práticas sustentáveis não é uma realidade no Brasil para a maioria dos produtores.

A morosidade, o preço da certificação e o processo de transição são fatores que limitam o acesso principalmente à quem tem uma pequena ou média produção.

De acordo com a Coffee Anual Report 2019 UTZ/ Rainforest Alliance, SEAPA-MG Certifica Minas Café e o Censo Agro 2017 do IBGE, 40% da produção mundial de cafés certificados é brasileira, 43% das vendas globais de cafés certificados é brasileira, mas apenas 9% do total de cafeicultores foram certificados até 2019 e menos de 1% das fazendas brasileiras são certificadas atualmente.

Enquanto o setor aguarda a liberação de R$ 1 bilhão em financiamentos vindos do Fundo de Defesa da Economia Cafeeira (Funcafé) para os cafezais atingidos pelas fortes geadas deste ano, três empreendedores brasileiros se dedicam ao maior, mais moderno e rápido processo de certificação de práticas sustentáveis nas fazendas de café.

Conversamos com Luciano Oliveira, CMO da startup CertifiCafé que num relato divertido não esconde a sua paixão e o seu compromisso com o pequeno produtor de café brasileiro.

Em primeira pessoa, de forma contagiante, ele explica o caminho percorrido até aqui e as consequências da atuação do trio através da tecnologia num processo que deixa, acima de tudo, um legado econômico e ambiental para o país. Sugerimos que o leitor pegue uma xícara de café orgânico para ler o que vem a seguir.

“A minha formação é tecnologia e sempre trabalhei com sistemas em grandes empresas. Em 2013 fui convidado por um amigo produtor rural para ajudá-lo numa fazenda de café.

No primeiro momento eu assustei porque não tinha conhecimento nenhum de como funcionava uma fazenda. Ele foi visionário e quis convidar alguém que realmente não fosse do meio. Queria alguém que pensasse diferente do que vinha fazendo.

Começamos juntos uma caminhada tornando a fazenda, que está localizada na região das Matas de Minas, uma empresa. Trabalhamos de A a Z em todos os processos, sempre colocando a tecnologia a favor do negócio. Melhoramos a qualidade do trabalho e a gestão.

É claro que tenho muito orgulho desse projeto na Fazenda Klem.

A primeira certificação que fizemos foi a Rainforest, que é um selo de sustentabilidade de um café que é muito respeitado.

Posteriormente colocamos também a certificação de orgânico, com certificação Brasil, Europa, Estados Unidos e Japão.

Foi uma caminhada bacana, a fazenda começou a exportar sem intermediários e hoje exporta para muitos países, para quase todos os continentes.

Nós ganhamos um prêmio da faculdade de administração da USP onde fomos destaque ao fazer um contêiner sair direto da fazenda, o que para os produtores pequenos é um momento muito especial.

Ficamos em segundo lugar na Copa do Mundo dos cafés especiais e depois disso montamos uma filial nos Estados Unidos.

Ao lado da Apex participamos de um projeto levando a marca da fazenda e a exportação para os Estados Unidos, participamos de feiras internacionais.

No projeto Klem foram investidos 3 anos até que o nome ficasse consolidado e os compradores chegassem até a fazenda para efetivar as compras.

Cafés da Fazenda Klem, um exemplo de certificação reconhecida pelo mundo
Imagens da Fazenda Klem, a tecnologia aplicada na gestão para certificação

A minha base foi o software, com treinamento em sistema de gerenciamento. Nesse processo todo o que me incomodava muito era a questão da morosidade e a forma como se fazia certificação.

Era muito caro e não havia clareza no processo para certificação.

Nesta época conheci o Mauro e o Léo, que já tinham uma caminhada junto à universidade federal de Viçosa e ao lado da EMBRAPA no projeto Avança Café.

O que faltava à eles era o conhecimento de campo.

 

A botina

Era importante que eles fizessem parte do dia a dia da fazenda e foi o que eu fiz, entreguei uma botina a cada um e comecei a levá-los para o dia a dia dos meus clientes que eram, digamos, analógicos ainda, para que pudessem ser transformados em digitais. Começamos então a validar os processos.

Trabalhamos hoje com as principais certificadoras do Brasil.

Começamos a validar a nossa metodologia que consiste basicamente num processo de diagnóstico da propriedade onde conseguimos, de forma muito clara, entregar ao proprietário independentemente do tamanho dele, uma pontuação para que possa ter a ideia do quão preparado ele está para encarar um selo de certificação.

Com este diagnóstico conseguimos previsibilidade de custos, adequamos o caixa definindo o período para realizar o processo e ter com muita clareza os passos que ele tem que dar.

A partir dessas experiências começamos a melhorar e depurar esse diagnóstico para sermos o mais assertivos possível.

Passamos por algumas provas de fogo.

Fomos procurados inicialmente por uma fazenda maior onde tivemos uma boa resposta, depois fomos procurados pela equipe do SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural) que trabalha com pequenos produtores em nossa região. E essa foi uma prova conceitual mais exigente.

Rodamos quatro mil km visitando os clientes presencialmente. Conseguimos reduzir a operação do pequeno produtor, conseguimos que ele pudesse ter algo inimaginável que era ter acesso a um selo de sustentabilidade internacional.

Fiquei muito feliz porque até então trabalhávamos com as maiores fazendas produtivas, com estrutura, mas algo me incomodava que era poder levar este acesso ao pequeno produtor brasileiro.

Nós nos aproximamos deles e certificamos um grupo de 21, entre eles temos produtores com selos da Rainforest, do orgânico Brasil, Europa e Estados Unidos.

Foi maravilhoso poder levar essa tecnologia a quem mais precisa dela.

Pequena produção atendida pela tecnologia Certificafé

A resistência

A resistência à transição por parte do produtor é elevada. A forma convencional de certificação, volto a dizer, não é muito clara.

O produtor não consegue entender, no primeiro momento, o que ele precisa fazer, é muito difícil.

No modelo atual de transição do mercado, antes da nossa chegada, você tem uma empresa de consultoria, ela normalmente cobra um valor que o pequeno produtor não consegue pagar e se consegue o processo não é muito claro de quais são os custos do início ao fim, ele tem uma timeline de execução, mas não sabe quanto tempo vai gastar, entre outras dificuldades.

Fizemos um esforço muito coordenado e investimos muita energia em explicar a diferença do processo com o uso da nossa tecnologia, botando a mão na massa literalmente, andando na poeira trabalhamos como psicólogos inclusive, porque muitos não acreditavam no que dizíamos.

A certificação que propomos em grupo diminui os custos e muitos realmente ficaram assustados.

Recebemos carta de desistência no meio do processo. Fomos até estes produtores, conversamos com eles e os convencemos a voltar ao processo.

Foi gratificante ouvir os depoimentos com o processo concluído.

Conquista histórica, pequeno produtor das Matas de Minas agora com certificação internacional do café

Como conseguir

Algo fundamental para o produtor certificar é que ele tenha uma assistência técnica de qualidade, um profissional agrônomo ou entidade que preste a assistência técnica à ele. Nós levamos três meses neste processo do grupo de produtores. Estamos numa região em que 95% são pequenos.

Temos o Cerrado, o Sul de Minas e as Matas. Nas Matas temos, para ter uma ideia de grandeza, 36 mil produtores, segundo o Sebrae. Deste 36 mil, entre 8 e 12 produtores tem certificação. Muito pouco em mais de 20 anos desde o primeiro certificado.

Fizemos 21 produtores certificados em três meses. Foi incrível e evidentemente teve um esforço do SENAR e da assistência técnica que realmente compraram a ideia e acreditaram, e um esforço da nossa parte que acompanhou com a tecnologia todo o processo.

Foi um time bem montado.

O futuro CertifiCafé

Depois do sucesso nas Matas de Minas, fizemos diagnóstico na região de Rondônia, nas montanhas Capixabas, no norte do Espírito Santo, estamos em contato com os produtores do Cerrado e Sul.

Não temos um fator limitador. Enxergamos o agrônomo como parceiro técnico e colaborador principal desse processo.

É fundamental para o nosso projeto que esse profissional do agro esteja presente. Nosso objetivo é nos aproximarmos desses profissionais para que eles repliquem essa metodologia. A ação no campo, no dia a dia, em nosso desenho como startup é de entregar esse suporte ao profissional agrônomo.

Nesse sentido conseguiremos escala. Se eu treinar uma equipe de 10 agrônomos e cada um deles tiver 30 assistidos, estamos falando de 300 produtores que serão certificados e assim exponencialmente. Sou um cara que pensou um pouco diferente de meus colegas analistas e programadores.

Vejo o seguinte: para você entender uma situação, você precisa ouvir, ouvir, ouvir, ir até o campo e ouvir, ouvir e ouvir.

Esse é o primeiro passo, não tem outro jeito, é colocar a mão na massa, repito.

Hoje estou no escritório, mas o nosso trabalho é rodar pelo Brasil.

A partir do momento em que estou na lavoura ou almoçando com o produtor, indo com ele até a área de processamento da fazenda, na área de secagem, na tulha onde se armazena o café, é ali que faço as perguntas chave.

Ter essas informações é esclarecedor e facilita todo o nosso processo de adequação da tecnologia.

De forma objetiva a parte tecnológica não é tão complexa quanto a compreensão do problema.

A chave está aí!

Eu trabalho de botina e meus sócios, Mauro e Léo, também têm que ter uma cada um.

O juridiquês do momento

Avançamos e estamos em outras fases neste momento, levando um advogado ao campo, já compramos uma botina para ele também.

O juridiquês do advogado é muito importante, mas no momento em que ele está com o produtor ele precisa ouvir para se adaptar ao meio e poder entregar o que aquele produtor precisa, filtrando e aproximando a análise da parte técnica para compreender a realidade do campo.

Uma startup inédita com reconhecimento internacional inédito

Somos a única startup que faz parte do sistema Sustainable Coffee Challenge que é um movimento internacional do café formado pelos principais players do mundo, lá estão as grandes torrefações, os importadores, os traders e lá existe um desafio para que se aumente a quantidade de fornecimento de cafés sustentáveis certificados. Existe um acordo para que aconteça esse aumento de oferta.

Nós fomos escolhidos como startup que ajuda esse processo de forma inédita.

A certificação é algo que, se puder chegar na mão do pequeno produtor, vai mudar a realidade dele não só em relação a certificação mas gestão e controle, de forma simples.

Existem ferramentas fenomenais, fabulosas em relação a gestão, é indiscutível.

 

Mauro e Luciano ao lado dos produtos, superação das dificuldades e abertura do mercado certificado

Entretanto para o pequeno produtor, que liga o equipamento, que olha a tulha, que busca na cidade o fertilizante, essas ferramentas não cabem. Isso cabe a quem já tem uma estrutura, com computador, secretária, internet. Tanto é que a nossa tecnologia é focada no mobile, no celular que cabe na mão do produtor. Nós percebemos a forma como desenvolver a ferramenta ideal.

A simplicidade eficiente é o que criamos, a nossa base é simplicidade. Acreditamos que com ela podemos mudar para melhor a realidade do pequeno produtor.

O nosso momento é muito bom. Nós estamos participando de rodadas com alguns possíveis investidores, fomos acelerados por uma empresa que nos dá mentoria e no Sustainable Coffee Challenge estamos superando a meta de 10 produtores certificados em um ano. Conseguimos 21 em três meses. Fazendo uma conta simples, hoje, menos de 1% do café brasileiro é certificado e o Brasil é o maior produtor de café do mundo.

Se falarmos em dobrar isso em dois anos estamos considerando um número absurdo.

Nós precisamos captar e estruturar ainda mais a nossa empresa. Na estrutura que temos hoje podemos atender até 100 produtores. Estamos com outros grupos formados para início do processo de certificação. Acreditamos que até o final deste ano atingiremos de 100 a 150 produtores sem alteração em nossa rotina, entretanto se quisermos acelerar ainda mais esses números, precisamos ampliar a nossa atuação.

O custo e o ganho indiretos estamos mensurando ainda, pois a certificação traz muitos benefícios difíceis de serem calculados, como por exemplo o passivo trabalhista que o produtor poderia ter que, com a certificação, ele não terá pois estará adequado.

A segurança da sua vida é algo imensurável. Temos um exemplo em que fizemos toda a adequação na área de processamento quanto a segurança de um produtor no momento de fazer a secagem onde ele utiliza um equipamento que exige um guarda corpo seguro para não escorregar, ouvimos dele que a vida não tem preço e que as adequações protegeram sua família.

“A certificação não é bicho de sete cabeças, queremos desmistificar essa história, nos aproximando do agrônomo, mas deixando um diazinho da semana para rodar pessoalmente até os produtores. A botina não pode se aposentar!!”

Luciano Oliveira

 

O propósito

Para mim, como ser humano é algo muito gratificante, eu fico muito feliz. Sou movido a desafios. Já fui muitas vezes chamado de maluco, eu gosto de ser chamado de maluco porque é assim que a coisa funciona. No primeiro momento você é maluco, depois é competente.

O fato de estarmos fazendo um bom trabalho premiado mas inacessível a princípio para o pequeno produtor, me trouxe um profundo incômodo.

Ter conseguido entregar ao menor esse trabalho é muito satisfatório. Estamos falando da oportunidade do pequeno produtor ter um prêmio financeiro, ter a sua segurança, de sua esposa, filhos, ter adequação da água que eles bebem, estamos falando da saúde dessa família na agricultura brasileira.

Minha família era produtora. Eu quero sempre deixar um espaço na agenda para tomar um cafezinho na cozinha do meu cliente, isso não abro mão.

Minha mensagem para os agrônomos nesta oportunidade é a de que a certificação em minha visão é algo que agrega muito e valoriza o trabalho hora deles, evidentemente o produtor vendendo melhor seu produto pode negociar um contrato melhor e uma coisa vai melhorando a outra para todo mundo.

A partir do momento em que o agrônomo entende que a certificação não é um bicho de sete cabeças e que vai agregar para o produtor e consequentemente para ele próprio, agrônomo, a coisa só tem a fluir. Precisamos acabar com a lenda de que a certificação é algo impossível para o pequeno produtor.

O que vejo daqui há 5 anos? Vejo que o consumidor vai exigir a rastreabilidade, a segurança nos processos de produção e a veracidade na questão da sustentabilidade.

Tudo será mais checado, acredito que em 5 anos todos os produtos terão que ter um tipo de segurança maior do que a que tem hoje na produção.”

“É um trabalho que está sendo construído há mais de dois anos e a tecnologia e os processos estão sendo sincronizados ao longo do tempo. Tivemos muito aprendizado neste caminho. A tecnologia é o meio, não é o produto final então ela pode estar presente, mas as pessoas precisam estar empenhadas e desenvolvendo também o seus papéis dentro desse processo para que tenhamos resultados como o que tivemos com os grupos que conseguimos certificar.”

Leonardo Diniz, CTO da CertifiCafé

 

“Fizemos questão de ir a campo com estes grupos em especial, aprender e validar ao lado do agrônomo e do produtor porque agora podemos expandir e levar essa solução para outras regiões que não tem muita tradição na produção de café certificado.

Se o agrônomo puder produzir com o agricultor de forma mais sustentável estamos aqui para auxiliá-lo. Estamos muito felizes em colaborar com a certificação através da tecnologia, simplificando e entregando agilidade ao processo brasileiro.”

Mauro Júnior, CEO da CertifiCafé

 

CertifiCafé com produtos da região das Matas de Minas no Brasil
CertifiCafé com produtos da região das Matas de Minas no Brasil
CertifiCafé com produtos da região das Matas de Minas no Brasil
CertifiCafé com produtos da região das Matas de Minas no Brasil
CertifiCafé com produtos da região das Matas de Minas no Brasil
CertifiCafé com produtos da região das Matas de Minas no Brasil