Áudios mostram Moraes usando TSE para investigar bolsonaristas
O gabinete do ministro Alexandre de Moraes no Supremo Tribunal Federal (STF) ordenou por mensagens e de forma não oficial a produção de relatórios pela Justiça Eleitoral para embasar decisões do próprio ministro contra bolsonaristas no inquérito das fake news no Supremo Tribunal Federal durante e após as eleições de 2022. As informações foram publicadas ontem pelo jornal “Folha de S.Paulo”.
Diálogos aos quais a reportagem do jornal teve acesso mostram que o setor de combate à desinformação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), presidido à época por Moraes, foi usado como um braço investigativo do gabinete do ministro no Supremo.
As mensagens, segundo a publicação, revelam um fluxo fora do rito envolvendo os dois tribunais, tendo o órgão de combate à desinformação do TSE sido utilizado para investigar e abastecer um inquérito de outro tribunal, o STF, em assuntos relacionados ou não à eleição daquele ano.
A “Folha” teve acesso a mais de seis gigabytes de mensagens e arquivos trocados via WhatsApp por auxiliares de Moraes, entre eles o seu principal assessor no STF, que ocupa até hoje o posto de juiz instrutor (espécie de auxiliar de Moraes no gabinete), e outros integrantes da sua equipe no TSE e no Supremo.
Em alguns momentos das conversas, assessores relataram irritação de Moraes com a demora no atendimento às suas ordens. “Vocês querem que eu faça o laudo?”, consta em uma das reproduções de falas do ministro. “Ele cismou. Quando ele cisma, é uma tragédia”, comentou um dos assessores. “Ele tá bravo agora”, disse outro.
O maior volume de mensagens com pedidos informais – todas no WhatsApp – envolveu o juiz instrutor Airton Vieira, assessor mais próximo de Moraes no STF, e Eduardo Tagliaferro, perito criminal que à época chefiava a Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED) do TSE.
Tagliaferro deixou o cargo no TSE em maio de 2023, após ser preso sob suspeita de violência doméstica contra a sua esposa, em Caieiras, no interior de São Paulo.
Envolvidos
Procurados por meio da assessoria do STF e informados sobre o teor da reportagem, Moraes e o juiz Airton Vieira não responderam. Tagliaferro afirmou que não se manifestará, mas que “cumpria todas as ordens que me eram dadas” e não se recorda “de ter cometido qualquer ilegalidade”.
As mensagens mostram que Airton Vieira pedia informalmente via WhatsApp ao funcionário do TSE relatórios específicos contra aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Esses documentos eram enviados da Justiça Eleitoral para o inquérito das fake news, no STF.
Em nenhum dos casos aos quais a “Folha” teve acesso havia informação oficial de que esses relatórios tinham sido produzidos a pedido do ministro ou do seu gabinete no STF. Em alguns, aparecia que o relatório era “de ordem” do juiz auxiliar do TSE. Em outros, uma denúncia anônima.
As mensagens obtidas abrangem o período de agosto de 2022, já durante a campanha eleitoral à época, a maio de 2023. A “Folha” obteve o material com fontes que tiveram acesso a dados de um telefone que contém as mensagens, não decorrendo de interceptação ilegal ou acesso hacker.
Atuação no TSE e no STF é questionada e também elogiada
A atuação de Moraes à frente do TSE e dos inquéritos no STF rendeu críticas e elogios ao longo do tempo. Um dos períodos mais tensos para o ministro ocorreu recentemente, em abril, quando Elon Musk, dono do X (antigo Twitter), passou a contestar as decisões do magistrado brasileiro.
Nesse contexto, uma comissão do Congresso dos Estados Unidos publicou uma série de decisões sigilosas de Alexandre de Moraes sobre a suspensão ou remoção de perfis nas redes sociais
Com base nesse material, a “Folha” revelou no mesmo mês que o órgão do TSE de enfrentamento da desinformação havia ajudado a turbinar inquéritos do STF.
O que não se sabia, no entanto, é que o grupo produzia esses relatórios a pedido do gabinete de Moraes, o que agora é possível saber com base nas mensagens.
O controverso inquérito das fake news, aberto em março de 2019, tornou-se um dos mais polêmicos em tramitação no Supremo, tendo sido usado por Moraes nos últimos anos para tomar decisões de ofício (sem provocação), sem participação do Ministério Público ou da Polícia Federal.
Foi aberto em março de 2019, por ordem do ministro Dias Toffoli, que indicou Moraes como relator.
O objetivo, divulgou o STF à época, era “apurar fatos e infrações relativas a notícias fraudulentas (fake news) e ameaças veiculadas na internet que têm como alvo a Corte, seus ministros e familiares”.
Desde o início, o inquérito tem sido alvo de críticas por juristas, mas foi considerado constitucional pelo plenário do STF, em junho de 2020. A Procuradoria Geral da República, ainda sob Raquel Dodge, pediu mais de uma vez o arquivamento do caso. Na gestão de Augusto Aras, a Procuradoria defendeu sua participação no inquérito, que deveria mirar apenas fatos relacionados a garantia da segurança dos integrantes do tribunal.