Paulo Gustavo faz rir e chorar em ‘Filho da Mãe’, filme que é homenagem
É com o queixo mirando o céu e a cabeça para trás, vibrando ao som de cada forte gargalhada, que Paulo Gustavo aparece na maior parte das imagens de “Filho da Mãe”, documentário que estreia no Amazon Prime Video.
Alegria, reforçam os depoimentos de amigos e familiares e as cenas de bastidores captadas desde 2019, era seu mantra de vida e se transformou em seu legado quando, em maio de 2021, o ator e humorista se tornou uma das mais notórias vítimas da Covid-19.
Originalmente, o filme deveria ser um retrato dos bastidores da turnê musical que Paulo Gustavo e sua mãe, Déa Lúcia, inspiração para a personagem Dona Hermínia, de “Minha Mãe É Uma Peça”, faziam.
Acabou se tornando uma homenagem póstuma, um testamento de seu gênio artístico que, numa carreira breve de cerca de duas décadas, o alçou ao posto de campeão de bilheteria do cinema nacional.
“Eu relutei em ver o material gravado. Eu tinha medo, mas no fim foi uma alegria. Eu ia trabalhar feliz, porque sabia que ia passar o dia com o Paulo, e eu queria levar isso para as pessoas”, diz Susana Garcia, diretora de “Filho da Mãe” e de “Minha Mãe é uma Peça 3” e uma das amigas e colaboradoras mais próximas dele.
Justamente por isso, não espere ver no longa o tipo de isenção ou distanciamento que, por vezes, é cobrado de documentaristas. Garcia dirigiu “Filho da Mãe” mais como quem dá continuidade aos desejos de Paulo Gustavo do que como quem quer analisá-lo.
Em determinado momento, ele é gravado dizendo que não se considera militante, mas um ser político. Depois, no show ao lado de Déa Lúcia, ambos fazem um discurso contra a homofobia, e mais tarde ainda, “Minha Mãe É Uma Peça 3” é louvado por mostrar um casamento gay.
Não entra em cena, no entanto, uma das polêmicas que recaíram sobre o filme, quando o ator, homossexual, decidiu não pôr um beijo entre dois homens no roteiro. Tampouco a problematização de sua constante retórica de não ser ativista num país ainda impregnado de preconceito.
A este jornal, Garcia diz que as pessoas “não entendiam sua sutileza”, e, no documentário, Preta Gil, outra amiga próxima, diz que ele “hackeava o sistema por dentro”.
Depoimentos são costurados com o espetáculo, imagens de arquivo e gravações feitas principalmente em camarins e carros, numa turnê que percorreu vários quilômetros. Garcia viu algumas dessas apresentações e, quando chegou ao filme, se deparou com 130 horas de filmagens.
Paulo Gustavo, explica Malu Miranda, à frente dos conteúdos nacionais do Prime Video, não tinha certeza do que faria com aquele volume gigantesco, mas queria ter a homenagem à mãe registrada.
“Filho da Mãe” era um dos vários projetos que Paulo Gustavo estava concebendo para a plataforma, com quem firmou contrato pouco depois de deixar a Globo, às vésperas da pandemia. Seu desejo era extrapolar as fronteiras do Brasil, conta a executiva.
O tom de biografia de visionário, carregado de falatórios bem-humorados, no entanto, logo dá espaço a momentos cabisbaixos, conforme o longa se aproxima do fim. A pandemia sequestra o filme, mas Paulo Gustavo não se ausenta.
Garcia conta que era imprescindível que ele continuasse em cena, e o fez com áudios e vídeos que o ator mandava aos amigos ou publicava nas redes, mesmo após contrair o coronavírus. Para os fãs e os envolvidos em “Filho da Mãe”, que já sabem o desfecho, as risadas logo viram lágrimas.
“Ainda é difícil. É recente e, para uma mãe, vai ser recente sempre. Ninguém preenche o espaço deixado por um filho. São meus netos que me ajudam muito a falar dele sem me emocionar”, diz Déa Lúcia, que, sem Paulo Gustavo, não pretende voltar aos palcos.
Romeu e Gael, filhos de três anos do ator com Thales Bretas, devem ser os dois espectadores mais importantes de “Filho da Mãe”. O médico conta estar aliviado porque, apesar da ausência do marido, eles terão um acervo enorme de gravações para conhecê-lo.
“O Paulo, curiosamente, sempre falava de morte. E ele fazia tudo como se estivesse pensando num legado para deixar, então ele filmava muito bastidor, muita coisa íntima. Esse é um material preciosíssimo. Eu mesmo tive dificuldade no começo e não queria ter acesso a todas essas imagens”, explica ele, que ainda diz enfrentar, no dia a dia, outro entrave para superar a perda.
“O luto coletivo, embora tenha uma parte boa, de nos dar carinho e força, é difícil, porque nos obriga a lidar com isso diariamente. Temos que lidar com a dor dos outros, além da nossa. Mas às vezes a gente só quer viver o nosso luto, processar a dor dentro da gente.”