Pagamento com pix chega a cultos, missas e conquista comércio de rua
O uso do sistema de pagamentos instantâneo Pix tem se popularizado em locais inusitados. Agora, avança pelas igrejas pelo país -em contribuições para dízimo durante as celebrações até a coleta de doações para compra de cestas básicas.
Pode-se dizer que o sistema é ecumênico. Foi adotado por igrejas católicas e evangélicas. As instituições religiosas atribuem a escolha do sistema à praticidade, agilidade, ausência de taxas e possibilidade de doações remotas feitas pelos fiéis.
Pesa a favor também a facilidade para realizar transferências de valores menores, formato de transação que recebeu o apelido de “micropix”.
O método de pagamento, que bateu recorde com 50,3 milhões de transações em um dia em dezembro, já é o responsável por uma em cada três transações para ofertas religiosas, dízimos e contribuições para eventos de igrejas, segundo dados da InChurch, empresa de aplicativo de gestão financeira destinado ao setor, que possui cerca de 30 mil igrejas em seu portfólio.
Na Igreja Batista Memorial de Alphaville, em Barueri (SP), as cestinhas de vime ou sacolas de tecido que comumente circulam pelas fileiras de bancos de igrejas durante a coleta do dízimo, em meio a cultos e missas, têm sido substituídas pelo celular dos fiéis. Com o aparelho em punho, eles realizam as transações rapidamente, ao som de um hino musical sobre gratidão selecionado para o momento da celebração litúrgica destinado às doações.
Segundo o pastor Reinaldo Rodrigues, que participa do conselho de administração da igreja, a adoção de meios de pagamento digitais facilitou a gestão de recursos e aumentou a transparência das contas da comunidade. O uso do método de pagamento também agilizou e descentralizou as contribuições.
“O Pix e outros meios eletrônicos agilizaram os fluxos da contribuição. Quando o fiel, dentro do seu orçamento, tem a disponibilidade do recurso, ele já transfere. Não precisa aguardar ir fisicamente à Igreja, no final de semana”, diz o pastor.
Na Paróquia Santa Teresinha, em Santana (zona norte de São Paulo), o Pix foi adotado pouco depois de ser lançado, em novembro de 2020. Quando a paróquia reabriu, a chave Pix com o CNPJ da instituição e um QR Code para ser lido com o celular foram colados nos bancos de madeira da igreja, para evitar o contato entre os fiéis causado pela circulação das cestinhas de dízimo, e facilitar as transações em meio às missas. Banners na entrada também anunciavam a novidade, com a qual os fiéis que frequentam a igreja agora já se acostumaram, diz Rodrigo Novembrini, coordenador financeiro da instituição.
Até o início da pandemia, as doações eram feitas exclusivamente em espécie durante as visitas à igreja ou via correio, em envelopes enviados para a casa dos fiéis e entregues na secretaria da paróquia. Meios eletrônicos de pagamento eram estudados, mas sua adoção foi agilizada pelo isolamento social a partir de março de 2020. Os pagamentos online foram vitais para a sobrevivência da paróquia durante os períodos mais restritos do isolamento, diz Novembrini.
Em novembro, o Pix foi usado por 130 fiéis para doações durante as missas. O método de pagamento é mais utilizado pelos mais jovens, diz o coordenador. Mas a digitalização da igreja já permitiu reduzir em 40% os custos com correio e, no futuro, a paróquia espera eliminar completamente o uso de dinheiro em espécie. Hoje as doações, ingressos de eventos e pagamento de batizados e casamentos podem ser feitos via cartão, Pix e boleto, através da plataforma de cobranças Asaas.
“Não mexer mais com dinheiro será sensacional, tanto pela segurança de não ter que ir ao banco com os recursos em espécie quanto pela praticidade dos relatórios. Agora está tudo no computador”, diz.
Novembrini atuava em multinacionais antes de se dedicar à paróquia, e diz que as instituições religiosas estão se abrindo para as inovações do mercado de tecnologia. “Agora estamos sempre de olho nas novidades e no que pode ser bom para a comunidade, pesando os ônus e bônus das inovações.”
PIPOCA E CACHORRO-QUENTE
No comércio de rua, o uso do Pix para transações de baixo valor também tem se popularizado. Foi adotado pelo comerciante Ademilson de Oliveira Lima, 43, que há 23 anos trabalha nas ruas de São Paulo.
Em 2021, ele passou a oferecer a opção para clientes de seu carrinho de cocada e amendoim, que costuma estacionar em um cruzamento movimentado da zona sul de São Paulo, próximo à rua Domingos de Moraes. “Não há restrição de valor: os pagamentos com o Pix podem ser feitos mesmo para as menores compras, na casa de centavos, diz ele. A facilidade para realizar transações de valores menores, o “micropix” é apontado como um grande benefício.
Para Ademilson, a novidade favoreceu pequenos comerciantes como ele, que ganharam uma opção para além do dinheiro físico e das taxas de transação nas operações com cartões de crédito e débito, que estão em média em 2,02% e 1,03%, respectivamente, segundo a Abecs (Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços).
O Pix, por sua vez, não tem taxa para transações feitas por pessoas físicas. As jurídicas estão sujeitas a cobranças que variam a depender do banco. A maioria isenta pequenos empresários e empreendedores enquadrados na categoria de microempreendedores individuais (MEI).
“As coisas estão difíceis, o movimento ainda não voltou ao que era antes da pandemia e a gente já não ganha lá essas coisas, então achei bem melhor o Pix. Os clientes pedem bastante”, diz Ademilson, que ressalta que o uso do serviço intensificou a dependência dos comerciantes de um bom plano de internet móvel enquanto trabalham na rua.
Perto dali, em esquina movimentada em frente ao shopping Metrô Santa Cruz, a baiana Bruna de Oliveira, 24, diz que o método de pagamento tem sido uma boa alternativa para os transeuntes que são atraídos pelos donuts coloridos exibidos através de um vidro no carrinho em que trabalha como vendedora. “É uma alternativa que ajuda bastante, mas sempre pedimos que nos mandem o comprovante por mensagem no celular para confirmar a transação.”
O receio de fraudes ou falsas confirmações de pagamento é compartilhado por Marlene Pimentel da Silva, 47, que há 20 anos vende cachorro-quente em frente à Praia do Porto da Barra, em Salvador.
A comerciante conta que, um dia, vendeu lanches a um grupo de jovens que disseram ter enviado o valor por Pix. Mas o dinheiro nunca entrou na conta e Marlene acredita que os clientes mostraram o comprovante de agendamento, mas cancelaram a operação em seguida. “Nós queremos uma segurança, porque conheço muitos que já passaram por isso. As pessoas passam, falam uma coisa, mas o dinheiro não chega.”
A vendedora tornou-se adepta do meio de pagamento, implementado no negócio por sua filha há três meses, graças à praticidade para reposição de itens e compra com fornecedores.
“Às vezes estou aqui e acaba o pão, aí posso ligar para alguém e comprar direto. Se não, têm que vir aqui para pegar o dinheiro, gastar gasolina, e voltar.”
Próximo aos cachorros-quentes de Marlene, Jailson de Jesus Bezerra, 30, vende pipoca em frente ao Farol da Barra e passou a aceitar Pix há cinco meses. “As pessoas queriam, acabava perdendo vendas, aí precisei aderir”, diz.
Segundo o Banco Central, o método de pagamento já foi utilizado pelo menos uma vez por 106,8 milhões de brasileiros desde sua implantação, em novembro de 2020. Seis em cada dez brasileiros fazem parte do grupo, segundo a autoridade monetária.
“Logo no lançamento eu não fiz, mas depois de alguns meses eu passei a aceitar porque a gente tem que se modernizar no meio turístico. Hoje, é 50% dinheiro e 50% Pix. O que está sumindo é cartão de crédito”, diz Paulo Roberto de Jesus Souza, 43, conhecido como Paciência, que trabalha como vendedor ambulante no Largo do Pelourinho há 21 anos.
Paciência adotou o Pix também pela facilidade em economizar o que recebe. “Com dinheiro é bom e não é, porque você gasta logo. Pega aqui, gasta ali. Com o Pix, pegou, caiu na conta, mas você deixa lá. Só vai gastar se precisar. Acho que a vantagem é essa, a gente economiza mais”.
O método de pagamento é solicitado principalmente por turistas que frequentam o Pelourinho. “A maioria paga por Pix. A galera que vem de avião é Pix.”
“Ou você se adequa ao virtual ou você deixa de ganhar dinheiro. Aí, a pessoa fala: ‘Ah, não quero Pix’. Mas se você não tiver, não negocia com ninguém”, conta Milton Cavalcante, 55, que vende suco no Centro Histórico da capital baiana. “As pessoas preferem. Hoje em dia a facilidade do Pix está maior, mas é um meio que as pessoas estão se acostumando e daqui a pouco vai vir a taxa”, receia ele.