ONG aponta abusos contra população fronteiriça na Venezuela
BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – Casas invadidas sem ordem judicial, famílias inteiras arrastadas a descampados onde foram executadas, fugas noturnas por medo de ataques aéreos, torturas. Este pesadelo tem feito parte dos habitantes do departamento (estado) de Apure, na Venezuela, próximo à fronteira da Colômbia, desde o último dia 21 de março. As denúncias fazem parte de um relatório elaborado pela ONG Human Rights Watch e divulgado nesta segunda-feira (26).
Segundo a HRW, as ações vêm sendo efetuadas por quatro unidades das forças de segurança venezuelanas: o Exército, as Forças de Ações Especiais (FAES), a Guarda Nacional Bolivariana (GNB) e o Comando Nacional Antiextorsão e Sequestro (CONAS). O avanço contra a população civil já causou a migração de 5.800 pessoas para o território colombiano e centenas de deslocamentos internos dentro da Venezuela.
O documento foi produzido a partir de entrevistas com 68 pessoas que afirmam terem sofrido abusos. Destas, 38 estão em território colombiano, e as demais continuam na Venezuela. Também foram usados vídeos gravados por moradores da região fronteiriça. Foram ouvidos, ainda, advogados, peritos, líderes comunitários, autoridades colombianas e órgãos de direitos humanos que trabalham na região.
“As atrocidades cometidas contra moradores de Apure não são incidentes isolados causados por agente insubordinados, mas sim são consistentes com os abusos sistemáticos realizados pelas forças de segurança de Maduro”, afirmou José Miguel Vivanco, diretor para as Américas da Human Rights Watch. A ONG comparou o modo de atuar das unidades que operam na região com técnicas e formatos usados no território venezuelano em outras ocasiões.
Vivanco atenta para a necessidade de “investigações internacionais desses crimes”, pelo fato de que o volume das evidências mostra que essas ações vêm em escalada.
Logo após os primeiros ataques, o regime venezuelano alegou que as ações eram dirigidas a grupos armados ilegais colombianos que atuam na região. A Colômbia, por sua vez, responde que dissidências de guerrilhas e facções criminosas colombianas encontram refúgio na Venezuela com anuência da ditadura de Nicolás Maduro.
Os relatos dos civis que foram vítimas dos avanços, porém, dão conta de que muitos não faziam parte de nenhuma associação criminosa e que as invasões de casas e execuções se deram de modo ilegal, sem apresentação de ordens judiciais e sem direito à defesa.
O ministro da Defesa venezuelano, Vladimir Padrino López, anunciou, na ocasião, que a operação havia realizado a detenção de 33 “terroristas” e que haviam sido desmontados seis acampamentos supostamente pertencentes a grupos criminosos colombianos. Entre eles, indicou que o mais buscado era uma dissidência das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) conhecida como Frente Décima Martín Villa.
A guerrilha das Farc foi desmobilizada por meio de um acordo de paz firmado entre a agrupação e o Estado colombiano. Hoje, os ex-membros das Farc entraram na política por meio do Partido dos Comuns e não reconhecem a ligação dos dissidentes com a posição atual da ex-guerrilha, que é a de participar de modo democrático das decisões políticas da Colômbia.
Segundo os relatos dos moradores, os oficiais venezuelanos invadiram casas de civis que não tinham relação com esses grupos e realizaram buscas, prisões e execuções sem investigação prévia sobre sua participação em operações ilegais.
O relatório também chama a atenção para a necessidade de resolver a situação dos deslocados pelo conflito. A maioria dos 5.800 venezuelanos que fugiram para a Colômbia está em cidades pequenas, como La Arauquita, de apenas 50 mil habitantes e sem condições de acolher devidamente essa população, especialmente em tempos de pandemia.
Segundo o Acnur (Escritório do Alto Comissionado das Nações Unidas para Refugiados), municípios fronteiriços colombianos como La Arauquita, Arauca e Saravena necessitam de ajuda para abrigar esses migrantes que continuam chegando da região de Apure. O relatório da HRW dá conta de que casas de civis e albergues estão superlotados.
A HRW tentou entrar em contato com o regime venezuelano para indagar sobre a situação dessas pessoas, mas não obteve respostas. Segundo o documento, “o Poder Judiciário venezuelano normalmente não investiga as evidências contundentes de violações generalizadas de direitos humanos”. Na conclusão, a ONG pede que a Corte Penal Internacional e a as Nações Unidas “analisem a possível responsabilidade dos implicados de modo direto a execuções extrajudiciais, detenções arbitrárias e torturas em Apure”.