Fios naturais, saudáveis e sem química: as tendências trazidas pela pandemia
Estresse, ansiedade, incertezas. Os sentimentos confusos foram vários ao longo dos meses dentro de casa e tudo isso, claro, afetou a saúde. O relato de quedas de cabelo, por exemplo, aumentaram consideravelmente durante o período. De acordo com o estudo feito pela Academia Brasileira de Tricologia (ABT), o impacto da covid-19 na saúde dos cabelos pode ser dividido entre fisiológico e mental.
“A questão de saúde mental veio inclusive de depressão, da falta de contato das pessoas e isso desencadeou o gatilho de patologias como psoríase, dermatites e principalmente aquilo que a gente chama de queda capilar específica, que são as não cicatriciais, derivadas de questões psicossomáticas, como, por exemplo, a alopecia androgenética (ou seja, determinada geneticamente para os homens)”, explica o CEO da ABT, Celso Martins Junior. “Existe uma relação importante da elevação do estresse, da cascata bioquímica do estresse, da elevação de cortisol no sangue com as questões psicossomáticas e o encurtamento da fase de crescimento do fio capilar.”
João, que prefere não ser identificado, sabe bem sobre essa questão. Com 22 anos, ele passou a perceber queda acentuada de cabelo e decidiu procurar uma médica dermatologista especializada no assunto. “Meu avô por parte de mãe não tinha quase nada de cabelo, então eu tenho histórico na família de calvície. Mas com vinte e poucos anos achei que fosse muito novo para isso, por isso comecei o tratamento”, conta ele, que via tufos de cabelo espalhados pelos lugares em que passava tempo.
O tratamento ia bem até que ele pegou coronavírus, no final de 2021. “Voltei ao consultório e ela me explicou que normalmente, pelo histórico dos pacientes e os estudos que ela havia acompanhado, o cabelo pode cair com a doença. Assim, aumentamos a dose dos remédios”, diz.
Muito mais do que o lado emocional trazido à tona pelo coronavírus, as medicações usadas no tratamento, como corticoides e anticoagulantes, também geram o enfraquecimento do cabelo. “Hoje a gente sabe que a covid é uma tempestade inflamatória, com liberação de mediadores inflamatórios que são as interleucinas e elas vão circular no seu corpo como um todo, inclusive no couro cabeludo. Além disso, várias doenças febris, virais podem levar à vasculite dos vasos do couro cabeludo que pode levar à queda”, esclarece a dermatologista Marcela Mattos.
Ela explica que, por outro lado, os pacientes também acabaram olhando mais para si mesmos e passaram a investir no autocuidado. “Depois que o paciente passa por uma situação traumática, tanto física quanto emocional, ele quer se cuidar mais. Então veio uma pegada do cuidado do skincare, a oportunidade do home office das pessoas ficarem se olhando mais pelo vídeo, por exemplo, de quererem se cuidar mais.”
ACEITAÇÃO. A onda do autocuidado esbarrou também no fechamento dos salões de beleza durante a quarentena. O que levou diversas mulheres e homens a assumirem os cabelos brancos, largarem as químicas ou iniciarem o processo de transição capilar. “Depois da pandemia, começamos a ver uma consciência muito maior. As pessoas estão passando por um processo de entender que a saúde é muito mais interessante do que um padrão de beleza estático e a qualquer preço”, diz Marcela.
A fisioterapeuta Keisa Negrão, de 48 anos, morria de vergonha dos cabelos brancos, mas decidiu assumi-los e se libertar. “Eu retocava a minha raiz a cada 15 dias. Comecei a mexer com química no cabelo muito cedo e desenvolvi alergias que provocavam coceira e feridas por todo o couro cabeludo”, conta. “Agora eu vejo o quanto sofri em busca de um padrão. Me libertei, estou muito feliz. Me sinto até mais bonita.”
Ao reabrirem, os salões entenderam esse movimento e passaram a se preocupar também em orientar o cliente. O espaço comandado pelo cabeleireiro Celso Kamura, por exemplo, investiu em um Hair Spa, para o cuidado dos fios com aromaterapia, cromoterapia e musicoterapia. “A gente inaugurou no final de 2018 e ainda estava em processo de maturação quando aconteceu a pandemia. Mas hoje em dia eu percebo uma procura maior, justamente pelas pessoas estarem pensando mais em saúde”, diz Rodrigo Tanamati, terapeuta capilar do salão.
O processo começa com uma anamnese (entrevista com o cliente) realizada para entender o estilo de vida da pessoa. Logo é feita a análise do couro cabeludo com uma câmera chamada dermatoscópio, permitindo achar descamações, ver a densidade do fio e reconhecer o cabelo, desde o couro até a ponta dos fios. “Em vez de embelezar, a gente está cuidando”, diz Rodrigo.
Uma das clientes fiéis do salão é a modelo trans Marcela Thomé. Em suas redes sociais, ela já deixou claro a importância do seu cabelo. “Meu cabelo me deu força para eu ser quem eu sou hoje”, afirma. Assim, sempre frequentou o salão preocupada com hidratações e cortes, mas desde que o hair spa surgiu, o cuidado com os fios se tornou ainda maior.
“Quando ela veio passar comigo, senti que o couro dela estava inflamado e aí para cuidar, para dar uma acalmada, eu fiz a oleoterapia, que são os óleos essenciais junto com o óleo vegetal. Usei lavanda que é calmante, melaleuca que é bactericida e fungicida, aí fui nessa parte que é mais natural e menos invasiva”, conta Rodrigo.
SUSTENTÁVEIS. Já tem um tempo que surgem cabeleireiros com a expertise em cuidar da saúde dos fios e do couro cabeludo, priorizando o bem-estar sobre a estética. No mesmo ano da Hair Spa, surgiu a Ritu, do Studio W. Um ano mais tarde, o Studio Tez abriu as portas, assim como o Mariá Spa do Cabelo. E finalmente em 2021, o Br Concept Hair Spa.
Muito mais do que deixar a cliente com um cabelo bonito, os salões propõem tratamentos para oleosidade, ressecamento e fortalecimento dos fios, priorizando o bem-estar e a saúde dos visitantes. “A gente tem construído uma dinâmica técnica dentro dos salões que tem se transformado em algo muito maior que só beleza. Os profissionais têm aprendido a enxergar e compreender o cabelo como um marcador de saúde que é o que de fato ele é”, pontua Celso Martins Junior.
A busca pelo cuidado intenso do fio, assumindo sua própria beleza, envolve também o aumento do uso de produtos naturais nos salões. No Satch, por exemplo, criado pelo cabeleireiro turco Ertan Karadeniz, as especiarias são colhidas no próprio local. Para o tratamento de queda e fortalecimento, uma mistura com a babosa plantada e colhida ali mesmo promove a selagem natural do cabelo.
“Eu sou do ramo há 20 anos, mas no momento que decidi criar o salão, queria algo que tivesse coerência do que faz e com o que faz. Aqui não usamos nada que tenha contaminação de metal. Nos últimos anos, diminuímos muito a aplicação de luzes e de progressivas – apesar de já não usarmos a progressiva convencional”, explica ele. “Temos que pensar que o mercado convencional se coloca como indústria. Você não consegue identificar a qualidade de matéria-prima e é um produto só para todos. Aqui gostamos de avaliar cabelo a cabelo e ver o que necessita. Nossa progressiva, que deve não ter mais no salão em breve, é vegetal e não afeta muito o Ph do fio.”
Para Karadeniz, a sustentabilidade vai além de escolher um produto. “No Satch, a gente rega as plantas com o próprio adubo que eu faço. A sustentabilidade começa do momento em que você acorda, até dormir.”
A junção da tecnologia da indústria com os benefícios dos produtos naturais, segundo os profissionais, é ideal. Um ritual com óleo de coco, por exemplo, pode tornar difícil a remoção do produto e machucar o cabelo em vez de hidratar, como talvez uma máscara pronta faria. Por isso, opções veganas e da chamada química verde vêm sendo muito valorizada pelo mercado.
A marca Keune, por exemplo, além da sua linha normal, passou a ter a “So Pure”, que é vegana, não tem sulfato e com aromas naturais de óleos essenciais. Já a italiana Davines ganha cada vez mais espaço nos grandes salões por combinar sustentabilidade e eficiência dermatológicas. Recentemente ela lançou a linha Elevating, voltada para o equilíbrio e a proteção do couro cabeludo, feito com argila brasileira.
“O Brasil é um dos maiores lugares de referência de matérias-primas naturais do mundo por conta da nossa biodiversidade. Às vezes, a nossa falta de investimento em pesquisas faz com que a gente tenha preciosidades na nossa mão, sem o uso adequado”, opina o cabeleireiro Sérgio G, da Hair Glass Brasil. Para ele, ainda estamos no começo da transição dos naturais. “Nosso câmbio dificulta o consumo de muitos produtos importados, então abriu-se essa necessidade do desenvolvimentos dos produtos naturais – que está dando oportunidades para novos negócios e um resultado esplendoroso.”
TENDÊNCIA. A necessidade de olhar para dentro e valorizar a beleza natural também é tendência fora do Brasil. Um dos espaços que se destacam nesse campo é a JVN Hair, criada por Jonathan Van Ness, estrela da série da Netflix Queer Eye. “Muitas vezes pensamos nessa ideia de beleza como algo para nos sentirmos mal com a gente mesmo, mas nos termos e nos padrões de quem? Quando você entender que o relacionamento mais íntimo e bonito que você tem em sua vida é consigo mesmo, isso lhe dará imensa liberdade para se tornar quem você deveria ser”, coloca ele.
Seu slogan, “come as you are” (venha como você é) traz a ideia de melhorar o cabelo, e não necessariamente fazer uma grande transformação. “A linha JVN vê toda beleza, atende toda beleza e homenageia a singularidade de cada pessoa.” Além disso, o produto é sustentável, vegano e feito com materiais recicláveis.
Muito mais do que aceitar os fios brancos, os cachos e a falta de química, o tempo dentro de casa mudou nosso olhar sobre o que é beleza. “As pessoas estão conseguindo entender que a boca da Angelina Jolie fica linda na boca dela. Mas numa paciente que tem traços delicados aquilo vai ficar mais agressivo”, explica a dermatologista Marcela. “A gente não tem de ser bonito igual o fulano, a gente tem de ser bonito na nossa própria essência.”
Como manter a saúde e a beleza capilar
Observação
Analise o seu cabelo e faça isso com calma, por meio de toque e da ajuda de um espelho. “Se perceber que o cabelo está seco, busque informações para hidratar. Se tem frizz, veja indicações de gorduras vegetais que podem sustentar a degeneração da queratina do cabelo. Lembre-se: cada cabelo é um”, indica o cabeleireiro Ertan Karadeniz.
Lavagem
Apesar do calor, lave o cabelo somente quando a oleosidade da raiz for visível. Caso contrário, a lavagem diária não é necessária. Aproveite que é verão e utilize água fria, ou no máximo morna. A água quente deixa o cabelo mais oleoso. Também é recomendado deixar o cabelo secar naturalmente, evitando o uso de secador e chapinha.
Passo a passo
Antes de mais nada, escolha o produto específico para o seu tipo de cabelo. A higienização com o xampu deve ser feita apenas no couro cabeludo, com movimentos circulares com os dedos. Já o condicionador deve ser aplicado no comprimento e pontas, para evitar fios quebradiços.
Alimentação
O que você come pode ter interferência direta na saúde dos fios. Atente-se para a ingestão de vitaminas C e D, além de alimentos ricos em ferro e proteínas. A ingestão de água regularmente também é importante.
Cronograma capilar
Como cada tipo de cabelo tem uma necessidade, o cronograma varia de pessoa a pessoa, mas basicamente se constitui de hidratação, nutrição e reconstrução. Crie uma tabela semanal e vá alternando os cuidados, sempre pulando, pelo menos, um dia.