Covid-19: uma breve história das máscaras faciais, da Peste Negra à pandemia
Coberturas faciais se tornaram ‘o normal’, mas não são nada novas. Ao longo dos séculos, humanos buscaram proteção cobrindo o rosto.
Antes limitado a ladrões de banco, estrelas pop excêntricas e turistas japoneses preocupados com a saúde (e conscienciosos), o uso de máscaras em público agora é comum o suficiente para ser apelidado de “o novo normal”.
Pode até ser normal — mas não é novo.
Da Peste Negra ao smog sufocante, da poluição do tráfego à ameaça de ataques de gás, coberturas faciais têm sido usadas nos últimos 500 anos.
Embora as primeiras máscaras fossem usadas como disfarce, vestir uma máscara protetora (em vez de uma usada como traje) remonta pelo menos ao século 6 a.C. Imagens de pessoas usando panos sobre a boca foram encontradas nas portas de tumbas persas.
De acordo com explorador Marco Polo, os servos na China do século 13 cobriam o rosto com lenços de tecido. A ideia era que o imperador não queria que o hálito deles afetasse o cheiro e o sabor de sua comida.
A praga
Foi a Peste Negra — uma praga que varreu a Europa no século 14, matando pelo menos 25 milhões de pessoas entre 1347 e 1351 — que pressagiou o advento da máscara médica.
Os teóricos acreditavam que a doença se propagava através do ar envenenado ou “miasma”, criando um desequilíbrio nos fluidos corporais de uma pessoa.
Eles tentaram evitar que esse ar asqueroso os afetasse ora cobrindo o rosto ora agarrando-se a buquês de flores.
O garoto-propaganda da peste, aquele cruzamento sinistro de máscara de pássaro entre a Sombra da Morte e um corvo steampunk, não apareceu até os últimos estertores do surto final, em meados do século 17.
Perfumes e especiarias também estavam envolvidos — o “bico” surgiu como um local para encher ervas e aromáticos para neutralizar o chamado miasma.
Anti-poluição
A Revolução Industrial do século 18 ajudou a criar a infame poluição atmosférica de Londres, que aumentou à medida que mais e mais fábricas expeliam fumaça e as famílias mantinham seus fogos de carvão acesos.
Muitos invernos viram grossas mantas de fumaça amarelo-acinzentada cobrindo a capital.
O pior episódio foi em 1952, quando entre 5 e 9 de dezembro, pelo menos 4 mil pessoas morreram no período imediatamente posterior, e estima-se que mais 8 mil foram a óbito nas semanas e meses seguintes.
O smog, uma combinação de fumaça e névoa, ocorre quando o tempo frio prende o ar estagnado sob uma camada de ar quente.
Ele pode agravar problemas respiratórios e cardiovasculares e causar irritação nos olhos.
A partir da década de 1930, as máscaras “anti-poluição” tornaram-se tão comuns no rosto quanto o Homburg (chapéu semi-formal de feltro de pele) ou cloche de feltro na cabeça.
Poluição do trânsito
Durante a Londres vitoriana, senhoras bem-educadas — especialistas em cobrir a pele e sempre ansiosas por qualquer coisa que pudesse ser um adorno intrincado que viesse em preto — começaram a prender véus em seus chapéus.
Embora usado durante o luto, o papel do véu não era exclusivamente fúnebre. Também ajudava a proteger o rosto de uma mulher do sol, da chuva e de poluentes, bem como da sujeira e da poeira transportadas pelo ar.
De acordo com pesquisas, a maior causa de poluição do ar nas grandes cidades agora é o tráfego. As emissões dos canos de descarga, incluindo óxidos de nitrogênio e minúsculas partículas de borracha e metal, são lançadas no ar.
Ciclistas usando máscaras antipoluição era uma cena comum em algumas cidades muito antes de o coronavírus obrigar todo mundo a usar cobertura facial. Os véus frágeis, como os usados pelas motoristas britânicas no início do século 20, não estavam mais à altura.
Gripe espanhola
Um surto de gripe no final da 1ª Guerra Mundial tornou-se uma pandemia global devastadora. Apelidada de gripe espanhola porque os primeiros casos foram registrados na Espanha, cerca de 50 milhões de pessoas morreram.
Acredita-se que a disseminação do vírus tenha sido intensificada pelos soldados que retornavam das trincheiras. Espalhou-se das estações ferroviárias ao centro das cidades, depois aos subúrbios e ao campo.
As empresas de transporte tentaram impedir a propagação da infecção fazendo seus funcionários usarem coberturas faciais.
A publicação britânica Nursing Times de 1918 incluiu conselhos para conter a doença, com uma descrição de como as freiras da St Marylebone Infirmary, em Londres, ergueram divisórias desinfetadas entre cada cama e “cada enfermeira, médico, babá ou assistente” que entrasse no local tinha que usar uma máscara para se proteger.
As pessoas comuns também foram instadas a “usar uma máscara e salvar sua vida” — muitas as fizeram com gaze ou adicionaram gotas de desinfetante a engenhocas embaixo do nariz.
Gás
A ameaça de uma 2ª Guerra Mundial, 20 anos após o primeiro conflito global ter presenciado o uso de cloro e gás mostarda, fez com que o governo distribuísse máscaras de gás tanto para as pessoas comuns quanto para os militares.
As coberturas faciais se tornaram, assim, predominantes na maioria das áreas da vida em algumas cidades europeias.
Fama e privacidade
Outro tipo de máscara surgiu nos últimos tempos — uma que atende à necessidade de proteger o rosto do olhar fulgurante de fãs ávidos (e presumivelmente, inimigos).
São perfeitos para celebridades que querem chamar a atenção para si mesmas, ao mesmo tempo que mantêm a negação plausível de “Não quero ser reconhecido, é por isso que estou usando uma máscara perceptível”.
Ainda está para ser estabelecido como elas estão lidando com pessoas normais, não famosas, encobrindo seus rostos normais, não famosos, agora que esconder o rosto não consegue receber nem mesmo o mais breve dos olhares curiosos.
Por BBC News Brasil