Corte no Orçamento paralisa mais de 9.500 obras em Minas
Mais de 9.500 obras da faixa 1 do antigo Minha Casa, Minha Vida, hoje chamado de Casa Verde e Amarela, devem ser paralisadas em Minas Gerais em razão do corte no Orçamento do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), que financia o programa. Os dados são da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) com base no Orçamento do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) após os vetos do presidente Jair Bolsonaro.
Em todo o país, a CBIC aponta 250 mil obras que podem ser paralisadas. Ainda segundo a entidade, há a expectativa de que pelo menos parte dos recursos seja recomposta por meio de um Projeto de Lei do Congresso Nacional (PLN), que deve ser discutido nos próximos dias no Parlamento.
Além dos recursos do FAR, o MDR foi o ministério que mais sofreu com o corte de despesas no Orçamento, passando de R$ 19,841 bilhões para R$ 8,646 bilhões, após os vetos do presidente.
Avaliação
“Isso não é corte, não, isso é acabar com a política habitacional”. É assim que a coordenadora de política urbana do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), Cláudia Pires, define o contingenciamento de mais de 98% dos recursos destinados ao FAR. E completa: “Eles só deixaram a rubrica aberta para não falar que acabaram com o programa. Mas, com um corte desses, não há nada para fazer. Não se tem perspectiva, inclusive, de terminar as obras em andamento”, avalia.
No total, o Orçamento, que era de R$ 1,54 bilhão na proposta aprovada pelo Congresso Nacional, passou para R$ 27 milhões. Questionado sobre quanto desse valor seria destinado ao Casa Verde Amarela em Minas, o MDR disse que o recurso “não apresenta regionalização por Estado”.
Já em relação ao total de obras que podem ser atingidas em Minas, o ministério confirmou o levantamento da CBIC e informou que há outras 670 unidades habitacionais cujas obras já estão paralisadas “no Estado atualmente e que, em decorrência da falta de recursos, deixarão de ser retomadas neste ano”.
Cláudia aponta que esse cenário é desolador para as famílias que seriam atendidas pelo programa e agora não terão qualquer perspectiva de ver suas casas concluídas. “Para a faixa 1 – que é a mais impactada pela pandemia, já que grande parte das pessoas tem uma situação de fragilidade socioeconômica muito grande e mora em áreas onde a carência habitacional é muito grande também –, isso traz uma perspectiva muito sombria de atendimento dessas famílias no curto, médio e longo prazo por qualquer política pública, quer seja do governo federal, do município ou do próprio Estado”, alerta a especialista.
Já a CBIC informou, por meio de nota, que “o setor da construção está perplexo com os vetos do Executivo ao Orçamento de 2021 pela falta de sensibilidade com a realidade nacional” e que espera que “o Congresso Nacional possa reverter a situação da faixa 1 do Casa Verde e Amarela, com recursos exclusivos do Orçamento, que foi praticamente zerada”.
Programa federal é a única política do setor no Estado
Ainda que com recursos cada vez mais escassos, o Minha Casa, Minha Vida era o único programa de habitação ainda em vigência no Estado. Já há alguns anos, o governo de Minas não tem nenhuma ação de construção de habitações.
Segundo o presidente da Companhia de Habitação do Estado de Minas Gerais (Cohab), Bruno Oliveira Alencar, o Estado está tentando concluir algumas obras do Minha Casa, Minha Vida nas faixas 1, 5 e 2 financiadas pelo FGTS.
“Nos últimos quatro anos antes de eu assumir (em 2019), a Cohab tinha construído 45 casas. Então, quando cheguei, eu pedi aos engenheiros para analisar na carteira as obras viáveis, e selecionaram uma cartela de 50 obras capazes de serem concluídas. E com dois anos de trabalho e esforço junto à Caixa, neste mês de maio, a gente deve entregar 48 casas (em Paraopeba)”, afirma.
O presidente da Cohab disse ainda que tem uma ordem de serviço já assinada também para dar início às obras de um empreendimento em São Vicente de Minas, no Sul do Estado.
Alencar ainda criticou o modelo habitacional posto e antecipou que o Estado deve apresentar para a Assembleia Legislativa um projeto contendo um novo modelo “mais inovador e financeiramente sustentável”, mas não adiantou se seria um programa habitacional.
Já a coordenadora de política urbana do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), Cláudia Pires, destaca que, ao não ter um programa de habitação, o governo de Minas descumpre o previsto no Fundo Estadual de Habitação, criado para dar suporte financeiro à implantação e execução de programas vinculados a políticas habitacionais de interesse social.
“A Cohab, desde o governo passado, trabalha em uma perspectiva de não produzir habitação, em que pese que o Estado tenha um plano estadual de habitação aprovado desde 2010. E não há nenhum programa”, disse.
Nomes
O Minha Casa, Minha Vida foi criado na gestão de Lula na Presidência. O presidente Jair Bolsonaro alterou o nome do programa para Casa Verde e Amarela.
Cerca de 750 mil vagas em risco
O levantamento da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) considera que, em um cenário de paralisação de 250 mil obras em todo o país, a previsão é de fechamento de pelo menos 250 mil postos de trabalho no setor da construção civil e de outros 500 mil empregos indiretos.
A coordenadora de política urbana do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), Cláudia Pires, explica ainda que a interrupção das obras deve gerar muito desemprego também na população mais vulnerável, agravando a situação dessas famílias.
“Com o corte no Orçamento, você tem toda uma cadeia da construção civil impactada, e isso também vai repercutir nas famílias mais pobres, já que a gente sabe que os cargos de pedreiro, ajudante e todos aqueles ligados à construção civil geralmente são ocupados pelas populações de menor renda”, avalia a especialista.
Cláudia também destaca o impacto indireto e que pode ser ainda mais grave, especialmente no contexto da pandemia de Covid-19.
“Um estudo da Fundação João Pinheiro demonstra que o que mais pressionou a despesa familiar foi o custo do aluguel, porque grande parte dessas famílias mora de aluguel. Esse custo compromete a renda, e, infelizmente, não há nenhuma política pública, mesmo sendo uma obrigação constitucional”, finalizou a integrante do IAB.