Como a Pandemia Afeta o Desejo Sexual?

Como a Pandemia Afeta o Desejo Sexual?

Você já deve ter lido por aí que o tempo extra em casa fez as buscas por pornografia dispararem. Mas, por outro lado, a pandemia de coronavírus vem diminuindo o desejo sexual de muita gente – sobretudo, das mulheres. Os motivos são muitos: a possibilidade de perder o emprego por conta da recessão provocada na economia, a preocupação com a saúde de entes queridos e a sua própria, a dificuldade de se adaptar à rotina. Com a ansiedade tomando conta, é natural que muitas mulheres (e homens também) tenham menos vontade de transar. Há os casos em que o desejo até existe, ainda que menor do que o habitual, mas fica mais complicado de se concentrar na hora H.

A quarentena é histórica, é algo que nunca vivemos. Gerou um estresse no período de adaptação. Tivemos que mudar radicalmente o modo de viver, de se relacionar com o parceiro, com os filhos — pondera a médica e sexóloga Jaqueline Brendler.

Membro da Academia Internacional de Sexologia Médica (AISM), a médica coordena, no Brasil, uma pesquisa internacional que visa mostrar justamente como o período de distanciamento social vem afetando a vida sexual dos casais. Conduzido em países como Espanha, Uruguai, Argentina e Brasil, a primeira parte do estudo foi concluída neste domingo (19), com a participação de mais de mil brasileiros. Os resultados ainda estão sendo analisados, mas, pelas informações preliminares – e a experiência com as consultas virtuais, além dos mais de 15 anos de atuação na área -, Jaqueline explica que as dificuldades para transar aparecem, principalmente, para casais que já estavam com conflitos no relacionamento:

— Se a relação estava boa, é mais fácil aprofundar. Se não estava, os dois terão de fazer um esforço maior.

Psicóloga e sexóloga, Lina Wainberg concorda que a rotina forçada em casa – inclusive, por mais horas todos os dias – acentua qualquer rusga que existia anteriormente na vida do casal. E levanta outro ponto: com o convívio mais intenso, perde-se o fator “saudade”, que, de uma forma ou de outra, alimenta o desejo sexual.

O casal não tem o distanciamento necessário para (alimentar o) erotismo. Quando estamos muito perto, nos conectados ao concreto. A distância possibilita imaginar, fantasiar.

Para as profissionais, há consenso: é completamente normal não estar afim de transar.

— Não tem problema algum não estar com vontade em alguns dias. Não temos essa obrigação — reforça Jaqueline.

Mas se a falta de desejo é algo que tem incomodado você, as profissionais compartilham algumas dicas que podem ajudar a dar um up na vida sexual. Veja:

Pensar em sexo: mais do que necessário

Você passou o dia envolta com as demandas do home office. Se tem filhos, ainda precisou descobrir mais uma maneira de manter as crianças entretidas enquanto fecha aquele relatório. Ao final do dia, assistiu ao noticiário e a ansiedade subiu. E em que momento parou para pensar em você? Nos seus hobbies, nas coisas que você gosta?

Se o sexo está totalmente fora do seu radar, não é raro que a vontade suma – e nem sempre a sedução do parceiro ou da parceira será suficiente para você ter vontade.

— Às vezes, a mulher não está em uma vibe erótica. O sexo acontece primeiro na imaginação. Você precisa ter o desejo — explica a médica. — Vale usar o tempo livre para se conectar com algo erótico. Se a mulher está com dificuldade de entrar na vibe, precisa estimular a mente. E a primeira coisa a fazer é desfocar do coronavírus — adianta.

Assistir a filmes (que não precisam ser, explicitamente, pornográficos), acessar perfis com contos eróticos na internet e pesquisar outros conteúdos mais focados em prazer sexual: descubra o que mais tem a ver com os seus gostos. Jaqueline Brendler conta que, entre os pacientes que atende, há quem opte por livros que tenham cenas de sexo e também de romance, por exemplo. Para as sexólogas, vale o adendo: muitas mulheres não se excitam com cenas puramente sexuais.

— A própria pornografia feminina contém mais enredo, não é tanto sexo explícito — pondera Lina.

Mas o ideal é curtir esse momento sozinha, viu? A dica é de Jaqueline Brendler, que indica filmes como Infidelidade (2002) e Nove Semanas e Meia de Amor (1986).

— Se a mente fica erotizada, as chances de focar na relação aumentam — argumenta a médica.

Foque em você mesma

Você assistiu a um filme qualquer que levou ao clima. Ou leu aqueles contos picantes que fazem sucesso na internet. Que tal aproveitar a vibe com você mesma? Quando você se conhece bem e sabe do que gosta na hora H, a relação a dois sempre fica mais prazerosa.

Quer mais um motivo? A prática da masturbação é a mais segura em tempos de coronavírus, ressalta a médica.

— Você é o seu parceiro mais seguro — afirma Jaqueline.

Não é novidade o quanto a masturbação feminina ainda é um tabu na nossa sociedade, ao contrário da masculina. Mas talvez essa seja uma oportunidade de descoberta e até para perder a vergonha de tentar algo novo.

As mulheres são muito desestimuladas e até recriminadas durante a infância e a adolescência — lembra a psicóloga. — E ainda existe uma questão cultural, uma fantasia de que o orgasmo clitoriano seria de uma mulher incompleta ou infantilizada. Algumas acreditam que, (com a masturbação), possam perder o controle, ou que vão gostar mais disso do que da penetração. Fisiologicamente, o orgasmo clitoriano e o vaginal é o mesmo. O que muda é o contexto que está junto. A masturbação dá espaço ao erotismo, para que a mulher faça uso de sua imaginação. Isso é muito estimulante.

Na prática, a masturbação feminina aumentou com o distanciamento social, analisa Jaqueline Brendler – que leva em conta também as pessoas solteiras, as quais, por conta das recomendações de saúde, não podem ter contato físico com novos parceiros. Mas também entre quem tem um relacionamento e, inclusive, mora na mesma casa. A médica e sexóloga dá a dica para quem quer investir na autodescoberta:

— Para a masturbação ser prazerosa, recomendo dois “Fs”: um F grande de fantasia, e um F pequeno de fricção, de toque — indica a médica, reforçando o quanto a mente erotizada é importante para alimentar o desejo.

Dê tempo ao seu tempo

Estar em casa com o companheiro (a) não quer dizer, necessariamente, curtir mais momentos juntos. Vocês têm o home office, as crianças, as tarefas de casa, as idas ao supermercado e à farmácia… E o período dedicado ao casal? Para Jaqueline Brendler, passar mais tempo (de qualidade!) a dois ajuda a melhorar a intimidade e, por consequência, pode aumentar o desejo. Mas esse não precisa ser o objetivo principal. O foco, aqui, é investir tempo no relacionamento.

— Reserve dois turnos ao longo da semana e outros dois no final de semana para o casal. Para dançar, assistir a um filme, a um stand-up, ouvir música. Se vocês têm filhos, vão conseguir ter menos tempo, claro, mas é importante ter esse planejamento — sugere.

Intimidade fora da cama

Estar confinado pode ser uma oportunidade de, sim, melhorar a relação – e isso depende do esforço do casal, reforça Lina.

— A crise pode ser uma boa oportunidade para reavaliar questões e melhorar. Vocês podem criar mais intimidade. Até para o casal que não está bem, pode ser uma chance de dialogar e colocar os pingos nos is — avalia.

Com mais tempo juntos, atividades corriqueiras passam a ter outro significado. Afinal, se vocês estão cozinhando mais em casa, por que não tornar essa uma atividade a dois? Ou depois de assistir a um filme no final de semana, que tal aproveitar para debater com o parceiro (a)? Parecem coisas simples, mas que, na correria do dia a dia, não conseguíamos fazer.

— A pandemia é uma oportunidade para ressignificar e redefinir a intimidade. Antes, não havia um diálogo tão grande, eram mais ações, como sair para andar de bicicleta no final de semana ou ir ao cinema. Não se tinha reflexões sobre o fazer. Agora, foram criadas oportunidades para discutir, conversar. É a intimidade fora da cama, além da esfera sexual — explica a médica.

Não custa lembrar

Em tempos de pandemia, é preciso estar atenta e reforçar algumas  recomendações de saúde. Além da masturbação, a prática mais segura, como explicou Jaqueline Brendler, o sexo a dois é recomendado apenas para casais que estão em casa juntos. Se um ou os dois precisam sair para trabalhar, por exemplo, há riscos de contaminação.

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