Por que a aviação ainda precisa das caixas pretas

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Levou quase um mês para que equipes de investigação de acidentes aéreos encontrassem os destroços do voo 804 da Egypt Air, que caiu no Mar Mediterrâneo em maio. Mais alguns dias foram necessários para que se recuperassem as duas caixas-pretas do Airbus A320, que estavam a 3.000 metros de profundidade. Os dois aparelhos continham informações cruciais para que as causas do acidente fossem apuradas.
Vivemos em era em que a Nasa poder monitorar e operar um veículo em Marte, a milhões de quilômetros da Terra. E que smartphones podem recebem informações em tempo real. Por que, então, não conseguimos rastrear mais precisamente a localização de aviões comerciais ou transmitir remotamente as informações das caixas-pretas?
A ideia de que as famílias de passageiros podem ter de esperar meses para descobrir o que aconteceu com seus entes queridos – ou mais de dois anos, como no caso do voo MH370 da Malásia, que desapareceu em 2014 e ainda não foi encontrado – é difícil de entender.
Autoridades e companhias do setor aéreo vêm discutindo possíveis mudanças, mas o que importa é que, mesmo usando tecnologia antiga para os dias de hoje, a caixa-preta é uma ferramenta eficaz – e essencial.

O que são as caixas-pretas?

Elas têm o tamanho de uma caixa de sapatos. Pesam de 3kg a 5kg e custam cerca de US$ 60 mil por unidade. Ficam normalmente localizadas na cauda da aeronave – o que, em teoria, as deixam mais protegidas em caso de impacto – e são equipadas com um localizador. O dispositivo pode funcionar por até 90 dias e em profundidades de até 6.000 metros, no caso de acidentes envolvendo água.
Aeronaves carregam dois tipos de gravador. O primeiro registra dados de voo – 88 leituras diferentes (altitude e velocidade em relação ao solo, por exemplo) durante as últimas 25 horas de voo.
O outro é um aparelho que grava as últimas duas horas de conversa entre a tripulação, bem como sons ambientes. “O gravador de dados de voo explica como um acidente ocorreu, ao passo que o gravador no cockpit vai dizer o porquê”, explica Greg Marshall, vice-presidente da ONG americana Flight Safety Foundation, que presta consultoria em assuntos de segurança para a indústria aeroespacial.
Curiosamente, os dois gravadores são de cor laranja para serem mais fáceis de serem encontradas. A cor preta na nomenclatura pode ter vindo do fato de que as caixas por vezes são queimadas por chamas. Outra especulação é que o termo caixa-preta vem dos anos 1940, quando os aparelhos usavam filme fotográfico e, por isso, precisavam ser escuros no interior.

Arcas de tesouro “indestrutíveis”

Cada gravador de dados de voo conta com hardware protegido por uma “couraça”. Sensores ao longo da fuselagem do avião acumulam dados e enviam para um aparelho intermediário, chamado unidade de aquisição de dados de voo, que então os envia para serem armazenados nos chips de memória da caixa-preta.
Os gravadores de voz funcionam de maneira semelhante. Microfones no cockpit captam o áudio e o enviam para chips de memória.
As caixas-pretas são projetadas para proteger seu “cérebro” – as placas de memória com os dados – e por isso ficam em um compartimento de alumínio revestido por quase 3cm de material isolante, que suporta altas temperaturas, e um estojo externo de titânio ou aço. O pacote é submetido a testes rigorosos, pois precisa sobreviver a um desastre de avião – mais especificamente a impactos de mais de 3.400 vezes a força da gravidade, além de uma hora sob temperaturas de até 1.100 graus Celsius.
Elas também têm capacidade para resistir 30 dias em água salgada, são resistentes à gasolina de avião e a cinco minutos sob pressão de 351 toneladas por centímetro quadrado. Isso não significa que os gravadores sejam indestrutíveis, mas eles são recuperados mais frequentemente do que não, e por isso continuam sendo usados.

Uma criação urgente

As caixas-pretas como conhecemos hoje surgiram na década de 1950, quando viagens aéreas se tornaram um pouco mais comuns e criaram a necessidade de coletar informações sobre voos.  “Antes dos gravadores, as causas de alguns acidentes podiam apenas ser teorizadas, mas não conhecidas”, explica Marshall. “Hoje, o volume de informações por eles coletados é vital para os investigadores. Ajuda a acelerar as investigações, a identificar fatores contribuindo para acidentes e permite que autoridades promovam mudanças”.
As caixas-pretas mudaram um bocado desde que as autoridades americanas exigiram seu uso em voos, em 1958, após uma série de acidentes envolvendo o De Havilland Comet, o primeiro grande avião comercial de passageiros. As aeronaves estavam quebrando em pleno ar por causa das mudanças de pressão sobre a fuselagem durante o voo e, embora investigadores britânicos conseguissem descobrir a causa dos acidentes fazendo testes em aviões intactos, estava claro que mais informações eram necessárias.
Os primeiros gravadores mediam apenas cinco parâmetros – direção de voo, altitude, velocidade em relação ao solo, aceleração e tempo. Tudo isso com base em marcas gravadas em uma folha de metal. Nos anos 60, o governo americano impôs o uso de gravadores de voz – as caixas-pretas passaram a operar com fitas magnéticas.
A partir dos anos 80, graças à evolução tecnológica, ficou mais simples coletar um volume de informação muito maior que outrora por conta da informatização. Graças ao advento de gravadores do tipo solid state, que armazenam informações em lotes de chips, sem necessidade de partes móveis, este volume ampliado de informação ficou também mais seguro. Hoje, a tecnologia evoluiu ainda mais rápido. Mas ainda precisamos localizar e recuperar as caixas-pretas dos locais de acidentes.

O que elas fazem bem

São raros os casos em que as caixas-pretas são perdidas ou destruídas, mas são exemplos relevantes. Além do voo MH370, por exemplo, os gravadores dos dois aviões que se chocaram com as Torres Gêmeas no 11 de Setembro jamais foram recuperados.
“É, certamente, uma anomalia em nossas investigações. E é muito raro que um gravador seja encontrado e seus dados estejam inacessíveis. A não ser que seja um modelo mais antigo”, explica Sarah McComb, do National Transportation Safety Board, a agência americana que investiga acidentes aéreos.
Por vezes, a informação armazenada nos gravadores podem esclarecer rapidamente o que aconteceu. Quando o voo 9525 da Germanwings caiu nos Alpes franceses, em março de 2015, o gravador de dados de voo revelou que a pessoa no controle propositalmente iniciou uma descida e aumentou a velocidade da aeronave antes do impacto. Já o gravador de voz captou o áudio do piloto batendo na porta da cabine de comando e pedindo que ela fosse aberta.
Os investigadores tinham as informações que precisavam para concluir que o copiloto, Andreas Lubitz, tinha trancou o colega do lado de fora e deliberadamente jogou o avião contra as montanhas.
Mas esses gravadores ainda contêm tecnologia dos anos 90. E embora gravadores de memória tipo solid state tenham evoluído, há alternativas a considerar. Alguns tipos de aviões militares, por exemplo, usam gravadores em células flutuantes que ejetam no momento do impacto. Companhias aéreas hoje conseguem transmitir dados de voo em tempo real, mas especialistas em segurança querem mais. Alguns, por exemplo, querem câmeras internas de vídeo no cockpit.
“O equipamento que temos hoje é bem eficiente, mas continuamos fazendo recomendações em áreas onde a tecnologia está melhorando”, diz McComb.

Por que não algo mais high tech?

É complicado fazer mudanças muito radicais na indústria, por uma série de fatores. A NTSB, por exemplo, desde a década passada recomenda o uso de câmeras no cockpit, mas sindicatos de pilotos se opõem, alegando que isso fere a privacidade dos pilotos – em especial o fato de que, em caso de acidente, as famílias poderiam ver o vídeo da morte de seus entes queridos divulgado publicamente.
Mas a Organização Internacional para a Aviação Civil, com sede no Canadá, e que é ligada à ONU, recentemente adotou novos padrões que a partir de 2018 recomendam a companhias aéreas a monitorar suas aeronaves a cada 15 minutos em situações normais de voo e a cada minuto em casos de emergências a partir de 2021.
Algumas empresas já começaram a fazer testes por conta própria. A Qatar Airlines, por exemplo, planeja adotar um sistema de transmissão total de dados de voo. A Airbus negocia com autoridades de aviação na Europa a adoção de caixas-pretas ejetáveis.

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